"Pense num dia qualquer, e o subtraia, e veja que, sem ele, sua vida teria um rumo inteiramente diferente. Faça uma pausa, você que lê estas palavras, e, por um momento, pense na imensa corrente de ferro ou de ouro, de espinhos ou flores, que talvez jamais o tivesse encadeado, não fosse a formação do primeiro elo de um dia memorável." (Charles Dickens).

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Filme Quase Deuses

“-Vivien é nome de mulher.”

“-Sim, minha mãe tinha tanta certeza que viria uma menina, que foi logo escolhendo o nome.”

Esse diálogo marca o primeiro encontro entre o doutor Alfred Blalock (Alan Rickman) e o  humilde carpinteiro negro Vivien Thomas (Mos Def), em fevereiro de 1930. Thomas era um excepcional trabalhador, mas foi demitido por causa da crise, ou “grande depressão”, que começava a prejudicar os trabalhadores dos EUA.

Noivo, e pensando em se casar o quanto antes, o jovem carpinteiro (na época com 20 anos) ficou interessado em uma vaga de faxineiro em um laboratório de pesquisas médicas comandado pelo médico Alfred Blalock. Após breve entrevista, ele é contratado e tem como principal função cuidar dos cachorros que serão usados em experimentos nas mesas cirúrgicas.

Só que não demora muito para Thomas se interessar por algo a mais além das faxinas. Obcecado pela medicina, ele começa a ler os livros do laboratório, quando não tem ninguém por perto, e a fazer anotações em seu caderno. Um dia, muito distraído, mergulhado em um livro, ele não se dá conta que Blalock está o observando e é pego de surpresa, tentando disfarçar o inconveniente de estar bisbilhotando os materiais do doutor.

O médico, instigado com a curiosidade e interesse do empregado pela medicina, começa a fazer pequenos testes com ele, como, por exemplo, testar sua memória em relação aos aparelhos hospitalares e testar suas habilidades com o manuseio de equipamentos médicos. Vendo que seu subordinado é extremamente eficiente com o bisturi e que está aprendendo medicina apenas com os livros, Blalock lhe nomeia como seu novo assistente e não demora muito para que Thomas já esteja operando os cachorros do laboratório.

Sonhando em fazer uma faculdade de medicina, Vivien Thomas vê seu sonho naufragar quando o banco onde ele guardava todas as suas economias fecha e quando descobre que sua mulher está grávida.

Em 1941, após um trabalho de sucesso em relação a choques traumáticos, o doutor Alfred Blalock se torna chefe de cirurgia do conceituado hospital Johns Hopkins e aceita a proposta com uma condição: levar Thomas junto como seu assistente. Os dois já são muito amigos e a cada dia que passa os dois se tornam uma dupla de trabalho inseparável. Mas nem tudo são flores. Thomas, por ser negro, sofre muito preconceito, tendo que entrar no hospital pela porta dos fundos para não ser barrado pelos guardas.

Logo depois de assumir o comando do setor cirúrgico, Blalock se depara com o maior desafio de sua vida: encontrar um tratamento eficaz para a “síndrome do bebê azul”. Essa síndrome origina uma deformidade no coração dos recém nascidos, criando uma obstrução entre as artérias e o pulmão das crianças, deixando-as a cada dia que passa com uma cor azul, até levar a morte, por falta de irrigação sanguínea. Na época, os médicos descartavam uma intervenção cirúrgica por dois principais motivos: até então não existia cirurgia cardíaca confiável e o coração e as artérias dos bebês eram muito frágeis.

Mas Alfred Blalock e Vivien Thomas mergulharam fundo nas pesquisas e, juntos, criaram uma técnica capaz de salvar as crianças. Através de um método totalmente novo, a dupla conseguiu encontrar uma solução para a síndrome. Foram anos de testes em cães, até que, finalmente, em 1944, puderam aplicar a técnica em um bebê doente.

A primeira operação cardíaca aconteceu em 29 de novembro de 1944, em uma sala cirúrgica no Johns Hopkins repleta de médicos conceituados, além dos diretores do hospital. Para a operação, Alfred Blalock selecionou diversos médicos para o ajudarem. Só que Thomas não poderia participar, pois não era médico formado. Blalock, no entanto, quebrou as regras e, pouco antes da operação começar, chamou seu assistente e exigiu sua presença na sala de cirurgia, dizendo: “não conseguirei sem você”. A cirurgia é realizada com sucesso. Thomas praticamente guia Blalock, para o espanto de todos os médicos ali presentes. Após a operação, todos comemoram o sucesso do procedimento e definitivamente o Hospital Johns Hopkins entra para a historia mundial, ao realizar a primeira cirurgia cardíaca do mundo.

Após o acontecido, Alfred Blalock se torna famoso mundialmente, enquanto seu parceiro é esquecido e obrigado a arranjar outro emprego para sustentar sua família. Apenas em 1968 Vivien Thomas é lembrado. Os cirurgiões treinados por Thomas encomendaram uma pintura de seu retrato e o colocaram ao lado do retrato de Alfred Blalock, no lobby do Hospital Johns Hopkins, onde ficam os retratos dos médicos mais importantes que já passaram por lá.

E em 1976, após 37 anos de trabalho, Thomas é agraciado com um doutorado honorário em Doutor em Leis e nomeado professor na Escola de Medicina como instrutor de cirurgia. Ele faleceu em 1985, por causa de um câncer. Já Alfred Blalock faleceu em 1964 após sofrer uma parada cardíaca.

Retrato real, de Alfred Blalock e Vivien Thomas, no
Hospital Johns Hopkins
O filme é baseado em uma história real. A “grande depressão”, a síndrome do bebê azul, a técnica da primeira cirurgia cardíaca realizada, são todos acontecimentos reais. O filme é fiel e mostra a realidade do preconceito sofrido por Thomas, mas também mostra a superação dele e a insistência e confiança de seu amigo e mentor Alfred Blalock. Se não fosse a insistência de Blalock em manter seu assistente por perto e ensiná-lo, provavelmente a medicina teria perdido muito tempo. O médico passou por cima do preconceito da época e, mesmo ouvindo piadinhas e críticas de amigos próximos, apostou, e apostou certo, em Vivien Thomas. Por outro lado, Thomas não se deixou abater e sempre seguiu em frente com seu sonho de se tornar médico. Mas, mais importante do que se tornar médico, foi a criação da técnica que salvou milhares de bebês que morreriam aos poucos se ninguém tivesse a coragem de mexer em seus corações. Um filme emocionante. Os atores são muito bons, o ambiente e o roteiro são perfeitos. 

Eu, particularmente, admiro muito os filmes que são baseados em fatos reais. Além de retratar um cenário real, esses tipos de filmes são como livros de história na telona. Claro que sabemos que nem sempre a história é fiel ao que realmente aconteceu. Ainda mais quando o filme é americano. Eles gostam de distorcer a realidade e muitas vezes aumentar suas façanhas ou esconder seus deslizes. Mas, pesquisando, além do filme, pude chegar à conclusão que a maioria das informações contidas no filme é verdadeira. Desde a relação entre os médicos, até a síndrome do bebê azul e ao procedimento cirúrgico inédito. Há relatos de intervenções cirúrgicas cardíaca antes da época do filme, mas, cirurgia cardíaca em bebês foi algo inédito que Alfred Blalock e Vivien Thomas, juntos, conseguiram após anos de pesquisas e testes em animais. A divisão entre brancos e negros é outro fato real que o filme ilustrou muito bem. Apesar de ser americano, o longa em momento algum escondeu o preconceito dos americanos para com seu próprio povo negro. Pelo contrário, esse preconceito é parte importante do filme e da história dos dois amigos. Portanto, o filme é fiel à história, tirando alguns fatos que não podemos afirmar que realmente aconteceu. Mas esses fatos são minúsculos comparado ao enredo do filme e à importância destes dois americanos para a medicina moderna.

Ficha técnica:

Nome original: Something the Lord Made (Quase Deuses no Brasil)
Atores principais: Mos Def (Vivien Thomas); Alan Rickman (Alfred Blalock).
Ano: 2004
Duração: 1h50
Diretor: Joseph Sargent
Prêmios: Três "Emmy Awards", em 2004 (Melhor Filme feito para Televisão, Melhor Fotografia e Melhor Edição). Um "Directors Guild of America Award", em 2005 (Melhor direção). Um "Writers Guild of America Award ", em 2005 (Melhor Roteiro). Um "NAACP Image Award", em 2005 (Melhor Filme para Televisão). Um prêmio Peabody (2005).

OBS: Baseado em fatos reais

Trailer:



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